sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

GOVERNO ADIA OBRIGATORIEDADE DAS NOVAS REGRAS ORTOGRÁFICAS

 

 
 
Brasília - O governo brasileiro adiou por mais três anos o início da obrigatoriedade do uso do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. O acordo que visa padronizar as regras ortográficas foi assinado em 1990 com outros países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Com o adiamento, as novas regras, que se tornariam obrigatórias daqui a quatro dias, só poderão ser cobradas a partir de 1º de janeiro de 2016. O novo prazo consta em decreto presidencial publicado hoje (28), no Diário Oficial da União.
 
No início do mês, o senador Cyro Miranda (PSDB-GO) já havia antecipado que o governo federal adiaria a entrada em vigor do acordo. Na ocasião, o senador, membro da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, disse acreditar que o ideal seria elaborar um outro acordo, com maior participação da sociedade, e que só passasse a valer a partir de 2018.
 
Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe assinaram o acordo ortográfico em 1990. Na época, o Timor-Leste, que hoje faz parte da CPLP, ainda não era uma nação independente. O país só aderiu ao acordo em 2004, após tornar-se independente. Cada país deve ratificar o documento assinado e definir os prazos para a entrada em vigor do novo acordo.
 
Em Portugal, a reforma foi ratificada e promulgada em 2008 e as novas regras entraram em vigor em maio de 2009, com a previsão de se tornarem obrigatórias em seis anos a partir dessa data. No Brasil, o acordo foi ratificado em setembro de 2008 e as novas regras já estão em uso, embora em caráter não obrigatório, desde 1º de janeiro de 2009.
 
O acordo também já foi ratificado por Cabo Verde (2006), São Tomé e Príncipe (2006), Guiné-Bissau (2009) e Timor Leste (2009). Moçambique e Angola ainda não ratificaram o documento.
*Colaborou Gilberto Costa, correspondente da EBC em Portugal // Edição: Lílian Beraldo

FONTE: Agência Brasil

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

PPP AJUDARÁ A DEBELAR CRISE DO SISTEMA PENITENCIÁRIO, SERÁ?

Os medievais presídios brasileiros abrigam inaceitáveis indicadores que correspondem fielmente a esta definição, feita recentemente pelo próprio ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. O universo de cerca de 550 mil presos convive em situação precária, sub-humana, espremendo-se numa rede carcerária em que há um déficit crônico de alocação — hoje calculado em torno de 170 mil vagas. Como a matemática e a física são infalíveis, disso resultam celas superlotadas. Com detentos em unidades prisionais nas quais são submetidos a degradantes condições, o sistema penitenciário cumpre apenas, e dessa forma abominável, o papel de enjaular criminosos. Sua outra atribuição, a reintegração social de apenados, uma das razões do encarceramento de quem se desvia da lei, de maneira geral não passa de letra morta. O preço da renitente leniência do Estado com essa realidade costuma ser cobrado em forma de tragédias (ocasionais explosões de violência nos presídios) ou em perigosas experiências que realimentam a criminalidade (como o virtual controle de penitenciárias por quadrilhas do crime organizado).
 
Diagnosticar o problema, como fez o ministro da Justiça, é importante — mas nada do que se diz hoje desse desumano perfil do sistema é novidade. Em 2007, a CPI do sistema carcerário já alertava para a explosiva situação. Desde então, os números só pioraram. Enfrentar a questão pressupõe encontrar soluções que de fato ajudem a resolvê-las. Neste sentido, a criação de um complexo penitenciário em Ribeirão das Neves (MG), em andamento, com capacidade para 3 mil presos, não só ajuda a contornar o problema do déficit de vagas nas cadeias mineiras, mas — e principalmente —, ao usar o modelo de Parceira Público-Privada na construção e administração dos presídios, aponta um caminho concreto entre as iniciativas para melhorar o perfil do sistema prisional. A fórmula não tira da alçada do Estado a responsabilidade pelo controle da execução penal, mas alivia o orçamento do poder público: os custos para erguer novas unidades são elevados, em torno de R$ 40 mil por vaga. Com a PPP, a iniciativa privada arca com o ônus, em troca de contratos de gestão das penitenciárias, por tempo determinado, e com obrigações que, se não cumpridas, tornam as empresas administradoras passíveis de punições pecuniárias.
 
A iniciativa privada já atua numa fatia do sistema penitenciário do país, com 26 prisões (em seis estados) administradas em contratos de cogestão. Nelas, o número de presos ainda é pequeno (3,5% da população carcerária). Mas o modelo sinaliza um sistema de gestão moderno, adotado com sucesso em diversos países — e cuja avaliação não pode ser contaminada por preconceitos ideológicos que inviabilizem a positiva participação do setor privado na busca de soluções para um problema dramático, com uma dimensão que cresce assustadoramente.
 

Operário trabalha na fase final de acabamento do primeiro pavilhão do presídio construído por uma PPP em Minas Gerais
Foto: Pedro Silveira / Agência O Globo
Operário trabalha na fase final de acabamento do primeiro pavilhão do presídio construído por uma PPP em Minas Gerais Pedro Silveira.
A inauguração das duas primeiras Parcerias Público-Privadas (PPPs) de presídios no Brasil reacendeu o debate sobre os limites da participação da iniciativa privada no sistema penitenciário, o que já é uma realidade no país. Há hoje no Brasil 26 prisões em seis estados — Bahia, Sergipe, Santa Catarina, Espírito Santo, Tocantins e Amazonas — que são administradas por sete empresas privadas em contratos de cogestão. Com a entrada em funcionamento das PPPs, serão 19.428 presos cujas rotinas estarão sob o cuidado de empresas como Reviver Administração Penitenciária, Instituto Nacional de Administração Prisional (Inap), Montesinos, Auxílio, Socializa, Horizonte e Humanizari, além dos consórcios vencedores de contratos de PPP em Minas e Pernambuco. Todos empregam cerca de cinco mil pessoas.
 
O número de presos em presídios privados equivale a 3,5% do total de 549.577 que formava a população carcerária no Brasil em junho deste ano, segundo dados do Ministério da Justiça. O primeiro presídio a ser privatizado foi a Penitenciária Industrial de Guarapuava, no Paraná, em 1999, uma iniciativa do então governador Jaime Lerner. O governo federal mantém silêncio sobre o tema e não dispõe de indicadores comparativos entre presídios públicos e privados, mas o potencial de crescimento das privatizações já mobiliza defensores e críticos no Congresso Nacional e nas assembleias legislativas estaduais. Uma das principais críticas que se faz à privatização dos presídios é o conflito ético-filosófico-criminal da prática: como uma instituição que tem como objetivo básico o lucro pode cuidar do processo de execução penal de um ser humano, sua privação de liberdade, e bancar sem mesquinharia o seu processo de ressocialização?
 
— Sou contra a prática, apesar do estado lastimável dos presídios públicos no Brasil — diz Carlos Weis, coordenador do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo e ex-membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. — Vejo um potencial grande de corrupção, como políticos que são cooptados por indústrias de armamentos e que podem ser cooptados por empresas de administração de presídios. Além disso, quando o sistema prisional vira um negócio, há uma tendência de endurecimento da legislação para aumentar a população carcerária, o que vai no sentido contrário do que estão fazendo países mais desenvolvidos, de estabelecer punições alternativas ao encarceramento.
 
— Há uma ideia firmada de que o Estado não sabe administrar nada, o que é uma falácia. A prerrogativa da garantia da segurança é do Estado pela Constituição, então, não se pode colocar o sistema prisional, que faz parte disto, em mãos privadas — diz Alessandra Teixeira, presidente da Comissão de Sistema Prisional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
 
— Não há indicadores que provem que os índices de ressocialização no país sejam maiores entre presos que vêm de presídios administrados pela iniciativa privada. — afirma a socióloga Julita Lemgruber, ex-diretora do Departamento do Sistema Penitenciário. — A privatização aumenta a sensação de que o problema do crime está sendo resolvido e diminui o ímpeto das autoridades de pensarem alternativas para melhorar o sistema de ressocialização e prevenção do crime.
 
— Há registros de torturas e maus-tratos de presos em unidades administradas pela iniciativa privada. Em alguns, pela lógica de maximizar o lucro, presos possuem dois minutos para tomar banho, já que a ideia é economizar água o máximo possível — diz o advogado José de Jesus Filho, assessor jurídico da Pastoral Carcerária.
 
Custo alto em presídios federais - Os argumentos a favor da privatização também são muitos. Em primeiro lugar, ponderam os defensores, o estado lastimável das prisões brasileiras, superlotadas e palco de abusos variados contra os direitos humanos mais básicos, evidenciam a incapacidade do Estado de lidar com o problema. E o cenário só tende a piorar com a pressão da sociedade por penas mais severas — incluindo o encarceramento — para crimes de todos os tipos.
 
— O custo dos presos nas penitenciárias administradas pela iniciativa privada varia em torno de R$ 3 mil, enquanto os presídios federais gastam entre R$ 4 mil e R$ 7 mil por preso, incluindo o custo da construção dos presídios. Os índices de reincidência no crime, entre presos advindos das penitenciárias públicas, é em torno de 60%, enquanto entre as penitenciárias administradas pela iniciativa privada a taxa cai para cerca de 15% — diz Odair Conceição, sócio da Reviver e presidente da Associação Brasileira das Empresas Especializadas na Prestação de Serviços a Presídios.
 
— O sistema prisional se tornou um desastre na recuperação de presos no Brasil. No mundo, os indicadores são relativos, mas os melhores casos são vistos em presídios administrados pela iniciativa privada. A resistência ao modelo é basicamente ideológica, mas a gente não pode esquecer que o Estado está no controle da execução e fiscaliza o agente penitenciário privado — diz Luiz Flávio D'Urso, presidente da seção paulista da Ordem dos Advogados (OAB-SP).
 
Complexo Penitenciário em Minas será o primeiro do país a funcionar por meio de PPP
 
Ribeirão das Neves (MG) A 45 minutos do Centro de Belo Horizonte, no município de Ribeirão das Neves, cerca de 1.600 operários trabalham freneticamente em três turnos, sete dias por semana, na construção de um complexo penitenciário de 2.500 metros quadrados com cinco presídios (três de regime fechado e dois de semiaberto) e capacidade para abrigar 3.040 presos em celas para um, quatro e seis pessoas. O primeiro prédio, de regime fechado, com capacidade para 608 presos, será inaugurado em janeiro e lembra um presídio de segurança máxima, com seu aspecto de fortaleza, sistemas digitalizados de observação e controle de portas e celas, além de um aparelho para escanear o corpo inteiro, no estilo dos aeroportos americanos, capaz de mostrar objetos nos lugares mais impensáveis do corpo humano.


Complexo penitenciário deverá receber mais de tres mil detentos
Foto: Pedro Silveira / Agência O Globo

Complexo penitenciário deverá receber mais de tres mil detentos Pedro Silveira / 

Ribeirão das Neves, cidade-dormitório da Grande BH, é conhecida entre os moradores da região como Ribeirão das Trevas, por servir de local para outros cinco presídios mineiros. A penitenciária nova poderia ser mais uma na geografia carcerária da cidade, não fosse um detalhe: trata-se da primeira Parceria Público-Privada (PPP) de penitenciária a ser inaugurada no país. A discussão das PPPs nos presídios se aprofunda no momento em que o Brasil convive com um déficit de cerca de 170 mil vagas e condições degradantes no sistema penitenciário. O próprio ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que as prisões brasileiras são medievais e que preferia a morte a cumprir pena em uma delas.
 
O investimento na construção do complexo de Ribeirão das Neves, de R$ 280 milhões, foi bancado pelo consórcio GPA, que ganhou a licitação com o governo de Minas em 2009 e será responsável pela administração de tudo nos presídios (onde trabalharão 800 funcionários privados), com exceção do acompanhamento da execução penal dos presos (a cargo de 300 servidores). E por 27 anos, o que faz muita gente considerar o projeto, na prática, a privatização dos presídios brasileiros.
 
— Temos 129 presídios com 46 mil presos, além de 140 cadeias públicas da Polícia Civil com sete mil presos, o que totaliza 53 mil encarcerados. Não temos como administrar isso com eficiência porque o serviço público é burocrático e demorado. É praticamente impossível demitir um funcionário público que comete um abuso contra um preso. Além disso, não há recursos para a construção de presídios porque os custos são elevados, na base de R$ 40 mil por vaga. Decidimos criar uma PPP que deixasse nas mãos da iniciativa privada a construção e a administração do presídio enquanto tomamos conta da obrigação constitucional de administrar a execução da pena — afirma Rômulo de Carvalho Ferraz, secretário de Defesa Social de Minas.
 
— O projeto é revolucionário — diz Marcos Siqueira, gerente-executivo do Programa de PPPs de Minas Gerais. — Criamos uma solução para o problema da eficiência na gestão do sistema carcerário: investir, gastar melhor e ressocializar o preso, tudo sob supervisão do Estado. Não há privatização. O que estamos fazendo é contratar de forma inteligente. O contrato entre o governo e o consórcio GPA — formado pelas empresas CCI Construções, grupo Tejofran/Power Segurança, construtoras Augusto Veloso e NF Motta, e Instituto Nacional de Administração Prisional (Inap) — estabelece 380 indicadores que vão avaliar a prestação do serviço, como qualidade de alimentos e roupas, atendimento médico, horas gastas com educação e terapia ocupacional, e participação em oficinas de trabalho, entre outros. Cada presídio possui capacidade para abrigar seis oficinas diferentes de trabalho, que serão criadas a partir de parcerias entre governo e empresas privadas. As atribuições são divididas. Serviços de execução penal, como monitoramento, sanções disciplinares, movimentação de presos, escoltas, intervenções especiais e vigilância de muralhas, serão desempenhados pelos funcionários do governo. Todo o resto será gerenciado pelos funcionários da GPA, que não trabalharão armados e receberão a partir de R$ 1.300 por mês. Os sistemas de vigilância são eletrônicos, auxiliados por 1.240 câmeras e portas automáticas que lembram presídios de segurança máxima.
 
— A diferença de um modelo de PPP para um modelo de cogestão, como os que existem atualmente, é que o contrato entre o estado e a empresa é rigoroso e focado no preso — diz Rodrigo Gaiga, diretor do consórcio GPA e coordenador do complexo pelo grupo. — É um divisor de águas para o sistema prisional porque traz um elemento de gestão transformador. Se não cumprirmos os indicadores, que serão fiscalizados pela empresa independentemente de auditoria Accenture, receberemos penalidades financeiras, então, é do interesse de todos que tudo funcione da melhor maneira possível e que os materiais usados na construção dos presídios sejam os melhores, porque precisam durar muito.
 
Pelo contrato, o complexo de Ribeirão das Neves não poderá abrigar mais do que as vagas disponíveis, evitando o problema da superpopulação carcerária, tão comum nos presídios brasileiros. Cada preso vai custar ao governo mineiro cerca de R$ 2.700 por mês, acima do custo de cerca de R$ 2.000 dos presos nas penitenciárias do estado de Minas. Não há estatísticas oficiais sobre o custo de um preso no Brasil; os números variam de cerca de R$ 2.000 a R$ 7.000, dependendo da fonte, e se o valor inclui ou não o gasto com a construção do presídio em si. O complexo de Ribeirão das Neves e o de Itaquitinga, a cerca de 60 quilômetros de Recife, em Pernambuco — construído e administrado pelo consórcio Reintegra Brasil, das baianas Socializa Empreendimentos e Serviços de Manutenção e Advance Participações e Construções, e em fase final de construção —, serão as primeiras PPPs de presídio a funcionar no Brasil. É uma terceira via aos modelos existentes hoje: o dos presídios administrados pelo Estado (ainda que com serviços terceirizados, como cozinha ou manutenção predial) e os presídios administrados com a iniciativa privada em contratos de cogestão. As principais diferenças entre PPPs e presídios administrados em sistema de cogestão estão na construção do presídio, a cargo do grupo privado no caso das PPPs; no tempo dos contratos, bem mais curtos nos casos de cogestão (até cinco anos, em média); e na sofisticação dos contratos de gestão (mais rigorosos e com metas mais definidas, nos casos das PPPs).
 
A despeito da discussão a respeito da conveniência de entregar nas mãos da iniciativa privada o destino e a ressocialização de milhares de presos, a privatização de presídios ganhou força a partir da onda neoliberal que enxugou o Estado a partir da década de 80 em vários países, em particular EUA e Inglaterra, governados por conservadores como Ronald Reagan e Margaret Thatcher, respectivamente. Diferentes graus de participação da iniciativa privada são constatados em países tão diferentes quanto Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Israel, França, Alemanha, Chile, Brasil, México, Irlanda, Bulgária e Hong Kong, entre outros. O exemplo mais radical encontra-se nos EUA, onde não apenas a administração do presídio como a execução penal estão nas mãos de empresas privadas, com destaque para as gigantes Corrections Corporation of America (CCA) e o GEO Group.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

População carcerária mais que dobrou no Brasil, diz relatório

 

População carcerária mais que dobrou no Brasil, diz relatório
Ritmo de crescimento de 2001 a 2010 nas prisões foi 'assustador' e bem maior do que em outros países, segundo relatório da USP. O NEV (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo) divulgou nesta quarta-feira uma relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil na década de 2001-2010. O documento abrange principalmente abusos contra a vida e a integridade física dos cidadãos. Algumas das constatações do relatório são que as penitenciárias continuam superlotadas - a população carcerária brasileira cresceu 112% em uma década -, as taxas de mortalidade por homicídios se elevaram mais nas regiões norte e nordeste, os homicídios contra negros e pardos aumentaram 25% e a maioria dos crimes contra a liberdade de imprensa (72%) são praticados por agentes do Estado.
 
O 5º Relatório Nacional Sobre os Direitos Humanos no Brasil também faz uma análise sobre casos de abusos cometidos no país e levados ao conhecimento da OEA (Organização dos Estados Americanos). Ele revela que apenas 5% desses caos acabaram em solução amistosa. A socióloga Mariana Possas, coordenadora do relatório, afirmou à BBC Brasil que uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores foram a inexistência ou não divulgação de dados e informações oficiais sobre temas relacionados a abusos de direitos humanos. Segundo ela, esse problema não é causado apenas por falta de ação dos governos, mas por uma cultura nacional que não priorizaria a obtenção e armazenamento de informações sobre o setor. Leia abaixo alguns dos principais pontos levantados pelo relatório.
 
Superlotação carcerária - De acordo com o relatório, 'o sistema prisional brasileiro continuou a ser, na década de 2000, um setor público dramaticamente atravessado por severas violações de direitos humanos'. Uma das principais delas seria o deficit de vagas no sistema prisional. Atualmente, o Brasil é o quarto país com o maior número de presos do mundo, atrás de Estados Unidos, China e Rússia. Segundo o documento, embora o crescimento da população carcerária tenha sido uma tendência mundial nas últimas décadas, o ritmo apresentado pelo Brasil foi 'frenético e assustador'. O país registrou um aumento de 112% no número de detentos, de 233 mil no ano de 2001 para 496 mil em 2010. Essa elevação colocou o Brasil no primeiro lugar de um ranking que leva em conta 15 países. Logo abaixo ficaram a França, com 43% de aumento e a Itália, com 23%. Os Estados Unidos ficaram em 11º lugar, com 15% de aumento na década.
 
Porém, o ranking de países não levou em conta a China e a Rússia. O crescimento acelerado da população carcerária, segundo o relatório, teria tido efeitos negativos na 'garantia de condições básicas de detenção e de respeito aos direitos das pessoas presas'. O deficit de vagas no sistema em 2000, segundo os pesquisadores, era de quase 70 mil. Em 2010, ele subiu para quase 198 mil vagas. Homicídios Analisando dados do Ministério da Saúde, os pesquisadores da USP constataram que a taxa geral de homicídios por 100 mil habitantes no país aumentou 1,6% entre os 2000 e 2009. Contudo, a distribuição desses crimes pelos Estados é desigual.
 
A maior variação ocorreu nas regiões Norte e Nordeste, que registraram elevações de 82% e 72% respectivamente. No norte, a taxa passou de 18,5 casos por 100 mil habitantes em 2000 para 33,8 em 2009. No nordeste, a variação foi de 19,4 para 33,5. Na região Sul, a elevação da taxa foi de 57% e no Centro-Oeste 10%. De todas as regiões do Brasil, a única que registrou queda no período foi a sudeste (-40%). O número de casos por 100 mil habitantes caiu de 36,6 para 21,8. Em 2000, os Estados com as maiores taxas de homicídios eram Pernambuco, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Nove anos depois, as três primeiras posições do ranking eram de Alagoas, Espírito Santo e Pernambuco.
 
Discriminação racial - O estudo analisou os casos de pessoas mortas em homicídios registrados pelo Ministério da Saúde segundo a classificação racial das vítimas. Ele constatou que negros e pardos não só são as maiores vítimas dos crimes como o número de assassinatos praticados contra eles registrou tendência de alta durante toda a década. No ano 2000, os pardos e negros representavam 52% do total de vítimas de homicídio no país - cerca de 23,5 mil casos. Essa porcentagem foi subindo gradualmente ao longo da década até chegar a 65% em 2009, quando quase 34 mil casos foram registrados. Já os assassinatos praticados contra brancos somavam 39% das ocorrências no ano 2000 (17,8 mil). Eles começaram a cair em 2003 (37%) e chegaram a 29% em 2009 (15 mil).
 
Embora quase irrelevante percentualmente, o número nominal de assassinatos praticados contra indígenas também se elevou. Foram 102 mortes no ano 2000 contra 136 em 2009. Liberdade de imprensa O relatório da USP identificou três principais fontes de ameaças e agressões contra jornalistas nas anos 2000: policiais, políticos detentores de cargos eletivos e o crime organizado. Foram identificados na década 219 casos de abusos, que incluem agressão, ameaça e intimidação, homicídio, impedimento da atividade jornalística, lesão corporal em cobertura de risco, lesão corporal grave, sequestro e tortura.
 
A maioria dos autores dos abusos foram políticos eleitos e funcionários públicos dos três poderes (37% dos casos) e policiais (35%). As ocorrências mais comuns foram o impedimento da atividade jornalistica (37%), ameaças e intimidações (21%) e agressões (17%). Os homicídios - 15 ao total - representam quase 7% dos casos. Geograficamente, a maior parte dos abusos se concentrou na região Sudeste (34% dos casos), seguida pelo Nordeste do país (22%). 'Ainda temos um longo caminho a percorrer em termos de respeito por parte dos agentes do Estado brasileiro à liberdade de imprensa', diz o relatório.
 
Cooperação internacional - Apenas 5% dos casos de abusos de direitos humanos ocorridos no Brasil e levados à Comissão Interamericana de Direitos Humanos foram solucionados de forma amistosa, segundo o relatório. O órgão pertence a OEA e tem a função de investigar e emitir pareceres sobre casos específicos de abusos de direitos humanos ocorridos em seus países-membros. Os pesquisadores da USP analisaram 66 casos de supostos abusos de direitos humanos cometidos no Brasil e levados à Comissão entre os anos de 1999 e 2009. Em 20 deles (30%) o Brasil foi formalmente responsabilizado por abusos e em três houve um acordo amistoso para resolver a situação.
 
Segundo o relatório, a maioria dos casos levados ao órgão no período (34) ainda estão pendentes de decisão e nove não foram admitidos. O estudo apontou que a maioria das denúncias levadas à Comissão se referem a abusos de violência cometidos por policiais (15), à questão agrária (13) e a violações dos direitos das crianças e dos adolescentes (10). BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.